Fazer uma aproximação às palavras que repousam na
sua forma primitiva, claras e perenes, elementares. São aqui parcelas de
sentidos que valem enquanto tal: parcelas, bocados muitas vezes descontínuos
que anunciam ritmos, imagens isoladas, separadas. Proceder a uma aproximação
delicada e precisa, inquiridora, capaz de soltar as parcelas de sentido que a
distância a que estamos deste texto permitem reconstruir, como cacos de barro
cujas formas se vão organizando em fguras ou objectos cada vez mais
reconhecíveis e familiares, às vezes enigmáticos e descontínuos, lampejos de
coisas que não identifcamos sempre ou totalmente.
Como nasce da palavra a acção teatral? Partindo do
princípio de que é possível proceder a um profundo esvaziamento de referências
(de ruído?), que texto se descobre e que espaço preenche e de que modo se põe
em cena? Como assumir artisticamente o gesto paciente e receptivo do arqueólogo
que, estranho aos fragmentos que desenterra, se alimenta permanentemente do
mistério da sua decifração – decifrar igual a imaginar, a criar realidade a
partir do que os olhos não vêem, a partir do que de nós mesmos se projecta sobre
algo? Como incorporar nos nossos modos e na nossa prática o movimento sensível,
a aproximação delicada capaz de preservar, revelando, o que paira nos materiais
textuais e na memória que deles emana? Como «prefgurar essa memória» abolindo
assim, e intencionalmente, um tempo cronológico artifcial que, por sê-lo,
separa o que pode estar junto?
Como nos descobrimos e nos perdemos nos sulcos
cuneiformes de uma dúzia de placas de argila, quebradiços pela sua natureza
material rígida, mas duradouros pela sua natureza poética profundamente humana
e subjectiva? Com que voz e com que corpo perturbamos e nos fundimos num lugar
sem tempo (o teatro?), em que o outro
já não é distante e a sua diferenciação
se faz a partir da identifcação das contradições e das revelações (ou da surpresa)
que brota de cada um?
Como fazer do acto de ler o
próprio mecanismo de representação cénica ou, doutra forma, como fazer da
representação um processo de auto-inscrição no que nos é exterior, no que já lá
estava, no que nos precede e nos continua?
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