Chegados a Seillons somos
acolhidos ao jantar por um dos nossos anfitriões locais, o Chris. Falamos de
Guilgamesh, das versões e das traduções e de Jean Bottéro, o primeiro tradutor
francês. Conta-nos como, aqui bem perto, em Saint-Maximin, cuja vista
alcançamos da varanda, Bottero ainda jovem, conhece o padre dominicano Marie-Joseph
Lagrange um exegeta crítico que, ao que parece, ali chegara por motivos de
saúde. Anos antes, no final do sec XIX , fora enviado à Palestina para fundar a
Escola Bíblica de Jerusalém, incumbindo-lhe a tarefa de comprovar a veracidade
histórica do texto bíblico numa altura em que as consecutivas descobertas
arqueológicas refutavam ideias feitas, herdadas de preceitos religiosos e não
de factos históricos comprovados. A Igreja não podia perder a dianteira na
confirmação dos seus postulados. Mas os resultados dos estudos que chegam do
Médio Oriente dizem claramente: a Bíblia é uma coisa, os factos históricos são
outra. Estas conclusões são rechaçadas pelas autoridades eclesiásticas e,
durante muitos anos, Lagrange não publicará o seu trabalho. Em 1932, depois de ser
ordenado, Jean Bottéro vem viver para o priorato dominicano de Saint Maximin.
Conhece Lagrange e torna-se seu discípulo nos estudos mesopotâmicos que o
levarão a refutar também a veracidade histórica do Génesis e, mais tarde, na
sequência da sua integração no Centre National de la Recherche Scientifique, ao
seu retorno à condição laica. Torná-se-á uma autoridade na descodificação do antigo
acádico, traduzindo o Épico de Guilgamesh. Saint-Maximin é aqui ao lado, ali,
no sopé da colina.
NN
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